15/10/2025

PL do IRPF afeta offshores e dá margem para tributar doação

Fonte: Valor Econômico

O Projeto de Lei (PL) nº 1087/2025, que amplia a isenção do Imposto de Renda
(IRPF) e passa a tributar dividendos, conflita com outras normas tributárias e a
Lei das Sociedades Anônimas, o que pode gerar litígios, segundo tributaristas.
A atual redação, se mantida, dá margem para tributar doações, hoje isentas pelo
Imposto de Renda, e aumenta em, pelo menos, 5% a tributação das offshores.
Aprovado na Câmara dos Deputados e em tramitação no Senado, o PL ainda
prejudicaria o investimento de sócios em empresas com benefício fiscal. O uso
de prejuízo fiscal e ágio para amortizar o IRPJ dificulta, afirmam especialistas,
a aplicação do redutor do tributo para essas pessoas físicas, previsto na
proposta.
Para eles, a redação do PL hoje é contraditória e beira a inconstitucionalidade,
pois permite a bitributação sobre heranças e doações disponíveis (aquelas sem
herdeiro necessário), já tributáveis pelo ITCMD, de competência dos Estados.
Alguns defendem que também fere a Constituição condicionar a não tributação
dos lucros auferidos até 2025 à aprovação da distribuição em assembleia de
acionistas até 31 de dezembro. O motivo é que há precedente do Supremo
Tribunal Federal (STF) que veda a cobrança retroativa (ADI 2588).
O texto foi aprovado na Câmara no dia 1º deste mês e agora está nas mãos do
relator no Senado, senador Renan Calheiros (MDB-AL). O parlamentar,
porém, já declarou que irá mexer “o mínimo possível” no texto. Na prática, isso
evitaria o retorno do PL à Câmara, onde o relator, Arthur Lira (PP-AL), é seu
rival político.
Segundo o governo, a ampliação da base de isenção do IRPF beneficiará 15,5
milhões de brasileiros. Para compensar a perda na arrecadação, passou a tributar
a alta renda e dividendos acima de R$ 50 mil ao mês. Desde 1996, os lucros e
dividendos para pessoas físicas são isentos no Brasil.
O PL, diz a advogada Karem Dias, sócia do Rivitti e Dias Advogados, instituiu
um modelo de tributação híbrido, pois não atinge todos os dividendos, apenas
os que ultrapassem R$ 600 mil por ano para fins de retenção na fonte pela
pessoa jurídica, com alíquota geral efetiva de 34% - 40% para seguradoras e
45% para bancos. Os que não tenham sido retidos na fonte, serão tributados
na pessoa física, em até 10%.
O problema, para Karem, é que poucas empresas têm alíquota efetiva de 34%
sobre o lucro, pois prejuízo fiscal, subvenções e ágio reduzem essa base de
tributação. “O prejuízo está entrando no cômputo para diminuir a alíquota
efetiva”, afirma. Isso impacta a aplicação dos redutores, previstos no artigo 16-
A.
“Só se aplica o redutor quando a soma das alíquotas efetivas da pessoa jurídica
e pessoa física ultrapassa a alíquota nominal dos 34%. Como a empresa vai ter
tributação menor, por causa do incentivo, a alíquota efetiva da pessoa jurídica
é menor”, diz o tributarista Roberto Barrieu, sócio do Cescon Barrieu.
“Dificilmente a soma vai dar 34% e o redutor é afastado”, conclui.
Com esse efeito, as medidas criadas pelo PL são injustas, segundo Karem.
Sobretudo porque muitas empresas, durante a pandemia da covid-19,
acumularam prejuízo fiscal e usam parte dele para reduzir o IRPJ e a CSLL a
serem pagos. “Uma empresa acumulou anos com sacrifício dos sócios
investindo. Quando o negócio começa a dar frutos, a empresa compensa esse
prejuízo e tributa os dividendos dos sócios”, afirma.
Ela dá o exemplo de uma empresa com lucro de R$ 100 milhões. Nem toda
essa base será tributada se usar prejuízo fiscal, limitado a 30%. Ela vai tributar
70%, mas como a alíquota efetiva do IRPJ continua 34%, parte da tributação
será inevitavelmente repassada ao sócio. “A empresa não teve alíquota efetiva
de 34% e sim nominal, porque ela pagou 34% sobre 70%. Como não alcançou
os 34%, tributa o acionista em 10%”, diz.
Há ainda as deduções como Sudam e Sudene, criados para incentivar o
desenvolvimento da Amazônia e do Nordeste, que reduzem 75% do IRPJ a
pagar sobre o lucro do empreendimento, além do Programa de Alimentação do
Trabalhador (PAT) e atividades audiovisuais, que reduzem o IRPJ em 4%,
dentre outros benefícios. Quanto mais eles reduzem para a empresa, mais o
sócio paga de tributo, dizem os especialistas.
Na visão de Thais De Laurentiis, do Rivitti e Dias, há uma “dislexia” no projeto.
Ele considera apenas o Prouni, que oferta de bolsas de estudo, como incentivo
fiscal que entra no cálculo. “Se tem política pública de incentivo de determinada
atividade, não adianta dar com uma mão o incentivo para a pessoa jurídica e
tirar com outra, que é tributar a pessoa física que investe naquela empresa”,
afirma.
Sobre a condição para não taxar dividendos neste ano, a advogada diz que, além
de inconstitucional, não é fácil de cumprir. “Para o lucro estar preservado, é
preciso deliberar até o fim do ano o exato montante que a empresa disser que
vai pagar em 2026, 2027 e 2028”, afirma Karem. “Ela nem está com o balanço
fechado para determinar essa distribuição.”
Como as empresas listadas em bolsa só estão obrigadas a publicar o balanço e
determinar a distribuição de dividendos de 2025 até abril de 2026, a tributarista
recomenda a publicação de um balanço intercalado no mês de novembro, se a
companhia não quiser judicializar.
Para Roberto Barrieu, há um conflito da permissão de distribuir até 2028 com
o artigo 205 da Lei das S.A., que determina a deliberação e distribuição do lucro
no mesmo ano. “Por um lado, a lei tributária está dizendo que pode pagar até
2028, mas tem que deliberar em 2025. Mas pela Lei das S.A., quando delibero
em 2025, tenho que pagar até fim de 2026”, diz.
O ideal, acrescenta, seria que o Senado ajustasse o texto para dizer que lucros
apurados até o dia 31 de dezembro de 2025 poderiam ser deliberados
posteriormente e pagos até abril de 2028.
Há ainda a possibilidade de as empresas enfrentarem ações judiciais de
acionistas, se pagarem dividendos com atraso, pois a jurisprudência determina
aplicar correção. “Se a companhia fixar data e não pagar o dividendo, está sujeita
à correção, o que é mais um problema”, afirma Barrieu.
Em relação às offshores, o tributarista alerta que eventual ganho da variação
cambial, quando distribuídos os lucros no Brasil, não está na lista de exceção
do artigo 16-A do PL, que garante a isenção. “Como o rol é taxativo, só posso
excluir o que estiver ali”, diz. E não está ali o crédito de dividendos, isento pelo
artigo 5º, parágrafo 5º da Lei das Offshores, a nº 14.754/2023.
“Como esse rendimento isento não foi contemplado na lista do PL, ele estaria
sujeito à tributação em eventual recebimento do dividendo”, afirma Lucas
Resende, também do Cescon Barrieu. Assim, além da cobrança de 15% pela Lei
das Offshores (ou 10% de retenção ao sair do Brasil), os valores podem ser
tributados novamente em 10% na declaração da pessoa física - o que aumenta
a carga tributária em, no mínimo, 5%.
Já sobre a possível tributação de doações, o PL estabelece como exceção “os
valores recebidos por doação em adiantamento da legítima ou herança”. A
menção é diferente do previsto na legislação do IR. “O ideal, para evitar litígios,
seria excluir a expressão ‘em adiantamento da legítima’, pois ela gera dúvidas e
contraria o disposto no inciso XVI do artigo 6º da Lei nº 7.713/88, que isenta
do IRPF ‘o valor dos bens adquiridos por doação ou herança’”, diz Thais De
Laurentiis.
Para Karem Dias, é uma “pegadinha”. “A doação que não vai entrar é só a
legítima, no montante da herança necessária, que é metade do patrimônio”,
afirma. “O PL não tirou as doações de modo geral. Isso é muito perigoso,
porque está se tributando o patrimônio pelo imposto sobre a renda.”
Procurado pelo Valor, o Ministério da Fazenda não quis comentar o assunto.
O senador Renan Calheiros não deu retorno até o fechamento da edição.